Você sabia? As ligações de cobrança excessivas podem gerar dano moral
Entre os afazeres da vida doméstica, trabalho e lazer, quantas ligações de cobrança ou telemarketing você recebe por dia? Este é um tema importante para perceber se os seus direitos estão, ou não, sendo violados.
O entendimento de que ligações excessivas que trouxerem perturbação e desconforto devem ser reprimidas é cediço tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Entretanto, o embasamento para esta compreensão está expressamente disposto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), vejamos:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
O artigo 42 do Códex Consumerista proíbe a cobrança conhecida como abusiva, ou seja, a cobrança realizada mediante opressão e intimidação do utilizador dos serviços, uma vez que ultrapassa o exercício regular do direito, desrespeitando, inclusive, a paz do consumidor.
Importante ressaltar que as cobranças abusivas são indevidas ainda que o consumidor esteja inadimplente, tendo em vista que o direito à paz é uma garantia fundamental positivada na Constituição Federal.
Em que pese o simples fato de receber ligação de cobrança aos inadimplentes fazer parte das atividades regulares dos fornecedores, os excessos ensejam a responsabilidade civil do agente causador.
Este é o entendimento do renomado doutrinador civilista Flávio Tartuce, em sua obra Manual de Direto do consumidor:
De fato, o uso de ligações telefônicas e o envio de cartas de cobrança, por si sós e dentro da razoabilidade que se espera, não parecem configurar o abuso de direito na cobrança, mas um exercício regular do direito por parte do credor. Todavia, em havendo exageros sociais, com quebra da ética particular, presente estará o abuso de direito, com a consequente responsabilização civil do abusador.
(Tartuce, Flávio Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual, volume único / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021.)
Nestes termos, é possível observar que o ato praticado pelo credor gera indenização por danos morais que não possuem quaisquer relações com o débito, seja ele existente, ou não. Sendo uma forma adotada pelo legislador de assegurar a restituição do tempo útil despendido com a resolução do problema.
Assim, aplica-se, aos casos, o dano moral com base na Teoria do Desvio Produtivo, que tem por objetivo evitar que o consumidor desperdice seu tempo e/ou se desvie de suas competências, como trabalho, estudo e lazer para tentar sanar problemas relacionados ao consumo.
A responsabilidade do fornecedor de produtos ou serviços poderá se estender, ainda, a esfera penal. A prática abusiva gerada pela cobrança excessiva caracteriza conduta ilícita, nos termos do art. 71 do CDC, in verbis:
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
Cabe ressaltar que, as cobranças excessivamente realizadas em nome de terceiros também gera indenização por danos morais. É como decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ao condenar determinada instituição financeira a indenizar a vítima que recebeu, em um único dia, cerca de 60 ligações cobrando suposto débito de pessoa desconhecida.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONSUMIDOR. COBRANÇA A TERCEIRO DESCONHECIDO POR MEIO DE LIGAÇÕES E MENSAGENS TELEFÔNICAS EXCESSIVAS. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
- Cuida-se de recurso inominado interposto pela parte autora contra a sentença que, ao julgar parcialmente procedente o pedido da exordial, declarou a inexistência de relação jurídica entre as partes e condenou a ré a se abster de realizar cobranças ou enviar mensagens relativas a terceiros no número (61) 99925-2802, sob pena de multa de R$ 50,00 (cinquenta reais) por cada uma delas.
- Sustenta o recorrente, em síntese, que a cobrança da suposta dívida lhe acarretou aborrecimentos de toda ordem, porquanto houve excesso de ligações e envio de mensagens de texto, inclusive em suas horas de lazer com a família, ou seja, em final de semana. Pugna pela reforma da sentença para que o réu seja condenado ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial.
- Pelas provas coligidas aos autos, tem-se que o réu enviou ao autor mensagem de texto, nos dias 05, 06, 09, 10, 11, 12, 13, 14 em 16/09/2019 e 15/01/2020; e fez 4 (quatro) ligações telefônicas entre os dias 10, 16 e 17/09/2019 (Ids 14974299 – Pág. 1 a 14974412 – Pág. 1).
- As cobranças realizadas por ligações telefônicas e mensagem de texto não configuram, por si só, dano moral indenizável.
- No entanto, os danos morais estão presentes em razão de o autor/recorrente ter recebido excessivas e inoportunas ligações e mensagens telefônicas concernentes a cobrança de débitos existentes em nome de terceiro, que sequer lhe dizem respeito, havendo, na hipótese, violação à dignidade do demandante, o que enseja dano moral indenizável, pois extrapola o mero dissabor. Destaca-se que mesmo após o autor ter informado que desconhecia o devedor as mensagens de cobrança persistiram.
- Na seara da fixação do valor da reparação devida, mister levar em consideração a gravidade do dano, a peculiaridade do lesado, além do porte econômico da lesante. Também não se pode deixar de lado a função pedagógico-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir à parte ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos. Sopesados todos estes elementos, razoável e proporcional arbitrar o valor da indenização no montante correspondente a R$ 1.500,00.
- Desse modo, considerados os parâmetros acima explicitados, a reforma da sentença para condenar a ré/recorrida ao pagamento de indenização pelo dano moral é medida que se impõe.
- Pelas razões expostas, merece a reforma a sentença vergastada para condenar a ré/recorrida ao pagamento de indenização pelos danos morais, no valor de R$ 1.500,00.
- Recurso conhecido e provido para condenar a ré ao pagamento do valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a título de indenização por dano moral, que deverá ser acrescido de juros de 1% ao mês, a partir da citação (art. 405 do CC), e correção monetária a contar desta decisão (Súmula 362 do STJ). Mantida a sentença nos demais termos.
- Vencedor o recorrente, não há condenação ao pagamento de custas e honorários de sucumbência.
Portanto, frustradas as tentativas amigáveis de solução pelas vias administrativas, é válido socorrer-se pela via judicial para assegurar o direito do consumidor e afastar as cobranças indesejadas. Fique atento!
Até mais!
Time HGA
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(Acórdão 1251805, 07516731020198070016, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal, data de julgamento: 25/5/2020, publicado no DJE: 9/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)